quinta-feira, 30 de julho de 2015

O homem e seus símbolos


"Os arquétipos são, assim, dotados de iniciativa própria e também de uma energia específica, que lhes é peculiar. Podem, graças a esses poderes fornecer interpretações significativas (no seu estilo simbólico) e interferir em determinadas situações com seus próprios impulsos e suas próprias formações de pensamento. Neste particular, funcionam como complexos; vão e vêm à vontade e, muitas vezes, dificultam ou modificam nossas intenções conscientes de maneira bastante perturbadora. Pode-se perceber a energia específica dos arquétipos quando se tem ocasião de observar o fascínio que exercem. Parecem quase todos dotados de um feitiço especial. Qualidade idêntica caracteriza os complexos pessoais, e assim como os complexos pessoais têm sua história individual, também o complexos sociais de caráter arquétipo têm a sua. Mas enquanto os complexos individuais não produzem mais do que singularidades pessoais, os arquétipos criam mitos, religiões e filosofias que influenciam e caracterizam nações e épocas inteiros.

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Se tentarmos ver este tipo de situação com os olhos de crente talvez possamos compreender como o homem comum pôde se libertar de sua impotência e da sua miséria para ser contemplado (ao menos temporariamente) com qualidades quase sobre-humanas. Muitas vezes, uma convicção assim pode sustentá-lo por longo tempo e dar um certo estilo à sua vida. Poderá até mesmo caracterizar uma sociedade inteira.

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Supõe-se, habitualmente, que numa ocasião qualquer da época pré-histórica as ideias mitológicas
fundamentais foram 'inventadas' por algum sábio e velho filósofo ou profeta e depois disso, então, 'acreditadas' por um povo crédulo e pouco crítico. Diz-se também que histórias contadas por algum sacerdote ávido de poder não são 'verdades', mas simples 'racionalizações de desejos'. Entretanto, a própria palavra 'inventar' deriva do latim invenire e significa 'encontrar' e, portanto, encontrar 'procurando'. No segundo caso, a própria palavra sugere uma certa previsão do que se vai achar.

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O sentido do que faziam estava claro para mim, mas não para eles. Simplesmente praticavam aquele ato sem nunca refletir a respeito. E, portanto, não conseguiam explicá-lo.

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'Atos' nunca foram inventados, foram feitos. Já os pensamentos são uma descoberta relativamente tardia do homem. Primeiro ele foi levado, por fatores inconscientes, a agir; só muito tempo depois é que começou a refletir sobre as causas que motivaram a sua ação. E gastou muito mais tempo ainda para chegar à ideia absurda e disparatada de que ele mesmo se devia ter motivado, desde que seu espírito era incapaz de identificar qualquer outra força motriz senão a sua própria.

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...no entanto, muita gente acredita que a psique, ou a mente, inventaram-se a elas mesmas e foram, portanto, o seu próprio criador. Na verdade, a nossa mente desenvolveu-se até o seu atual estado de consciência da mesma forma por que a glande se torna um carvalho e os sáurios mamíferos. Da mesma maneira que se desenvolveu por muito tempo, continua ainda a desenvolver-se e assim somos conduzidos por forças interiores e estímulos exteriores.

...A única coisa que nos recusamos a admitir é que dependemos de 'forças' que fogem ao nosso controle. É verdade, no entanto, que nestes últimos tempos o homem civilizado adquiriu certa dose de força de vontade que pode aplicar onde lhes parecer melhor. Aprendeu a realizar eficientemente o seu trabalho sem precisar recorrer a cânticos ou batuques hipnóticos. Consegue mesmo dispensar a oração cotidiana em busca de auxílio divino. Pode executar aquilo a que se propõe e, aparentemente, traduzir suas ideias em ação sem maiores obstáculos, enquanto o homem primitivo parece estar a cada passo, tolhido por medos, superstições e outras barreiras invisíveis. O lema 'querer é poder' é a superstição do homem moderno.
Para sustentar esta sua crença, no entanto, o homem contemporâneo paga o preço de uma incrível falta de introspecção. Não consegue perceber que, apesar de toda a sua racionalização e toda a sua eficiência, continua possuído por 'forças' fora de seu controle. Seus deuses e demônios absolutamente não desapareceram; têm, apenas, novos nomes. E o conservam em contato íntimo com a inquietude, com apreensões vagas, com complicações psicológicas, com uma insaciável necessidade de pílulas, álcool, fumo, alimento e, acima de tudo, com uma enorme coleção de neuroses." (O homem e seus símbolos - Carl G. Jung)