“O drama nos proporciona uma quadro antigo, mas sempre novo,
da dor e do conflito causados pela descoberta da verdade a nosso respeito. É
este aspecto do drama, e não o fato de
Édipo ter-se unido a sua mãe, que dá à escolha de Freud um brilho de genialidade.
Pois buscar a verdade é sempre correr o risco de descobrir o que se detestaria
ver. Exige daquela espécie de relacionamento consigo mesmo, e aquela confiança
nos valores máximos que permitem ousar arriscar-se à possibilidade de
desligar-se das crenças e valores segundo os quais sempre viveu. Não é
surpreendente, então, conforme observou Pascal, que ‘um genuíno amor à verdade
seja algo relativamente raro na existência humana’.
Distinguir a verdade, como as outras características
singulares do homem que acabamos de discutir, depende da sua capacidade de
autoconsciência. Ele pode assim transcender a situação imediata e em imaginação
‘ver a vida com firmeza e por inteiro’. Pela autoconsciência pode ainda
procurar em si mesmo a sabedoria que fala em maior ou menor grau a todo homem
que queira ouvir.
Os antigos gregos, conforme Platão registra, acreditavam que
o homem descobre a verdade através da ‘reminiscência’, isto é, ‘recordando’,
intuitivamente pesquisando sua experiência. (...) Cada um de nós vem
observando, experimentando, aprendendo muito mais em toda a nossa vida,
especialmente nos primeiros anos, do que imaginamos, e somos obrigados a
encerrar tudo isso no chamado inconsciente por causa da necessidade de nos
relacionar bem com os pais, professores e as convenções sociais. ‘As crianças e
os loucos dizem a verdade’, fala o adágio – e infelizmente as crianças breve aprendem
também a não dizê-la. Este manancial ’esquecido’ de sabedoria está a nossa
disposição quando nos tornamos bastante esclarecidos, sensíveis, corajosos e
vigilantes para o explorar.
A ideia popular de que a pessoa não enxerga a verdade porque
ela própria se coloca na sua frente é, portanto, falsa. Não é o self que nos
faz ‘ver através de um vidro escuro’ e destorcer o que vemos: são antes os
impulsos neuróticos, as repressões e os conflitos. Estes nos levam a ‘transferir’
alguns preconceitos ou expectativas nossas a outras pessoas e ao mundo que nos
rodeia. Assim é precisamente a falta de autoconhecimento que nos leva a tomar
um erro por verdade. Quanto menos a pessoa conhece a si mesma, tanto mais é
presa de ansiedade, ira e ressentimento irracionais; e embora a ira em geral
nos impeça de utilizar os meios sutis e intuitivos de perceber a verdade, a
ansiedade nos bloqueia sempre.
(...) Admitindo que sua verdade seja absoluta e não
influenciada por interesses pessoais, em vez de julgá-la como sua maneira mais
sincera de se aproximar da verdade, talvez venha a tornar-se perigosamente
dogmático. (...)
Buscar a verdade não é uma função exclusiva do intelecto, e
sim do homem total; a pessoa experimenta a verdade, evoluindo como uma unidade
que pensa-sente-age. ‘Não deixamos de amar aos intelectuais’, porém amamos mais
ainda as pessoas neste aproach da
verdade. (...)
(...) Distinguir a verdade, portanto, vai a passo com a
maturidade emocional e ética. Quando a pessoa é capaz de distingui-la desta maneira
adquire confiança no que diz. É que firmou suas convicções por seus próprios
meios e experiência, e não através de princípios abstratos, ou do que lhe
disseram. E adquire também humildade, pois sabe que o que viu anteriormente era
em parte destorcido, o que vê agora terá também seus elementos de imperfeição.
Esta espécie de humildade não enfraquece a segurança nas próprias convicções,
mas conserva a porta aberta para novo aprendizado e a descoberta de novas
verdades no futuro.”
(O Homem a procura de si mesmo – Rollo May)