quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Verdade e a coragem pelo autoconhecimento


“O drama nos proporciona uma quadro antigo, mas sempre novo, da dor e do conflito causados pela descoberta da verdade a nosso respeito. É este aspecto do drama, e não  o fato de Édipo ter-se unido a sua mãe, que dá à escolha de Freud um brilho de genialidade. Pois buscar a verdade é sempre correr o risco de descobrir o que se detestaria ver. Exige daquela espécie de relacionamento consigo mesmo, e aquela confiança nos valores máximos que permitem ousar arriscar-se à possibilidade de desligar-se das crenças e valores segundo os quais sempre viveu. Não é surpreendente, então, conforme observou Pascal, que ‘um genuíno amor à verdade seja algo relativamente raro na existência humana’.

Distinguir a verdade, como as outras características singulares do homem que acabamos de discutir, depende da sua capacidade de autoconsciência. Ele pode assim transcender a situação imediata e em imaginação ‘ver a vida com firmeza e por inteiro’. Pela autoconsciência pode ainda procurar em si mesmo a sabedoria que fala em maior ou menor grau a todo homem que queira ouvir.

Os antigos gregos, conforme Platão registra, acreditavam que o homem descobre a verdade através da ‘reminiscência’, isto é, ‘recordando’, intuitivamente pesquisando sua experiência. (...) Cada um de nós vem observando, experimentando, aprendendo muito mais em toda a nossa vida, especialmente nos primeiros anos, do que imaginamos, e somos obrigados a encerrar tudo isso no chamado inconsciente por causa da necessidade de nos relacionar bem com os pais, professores e as convenções sociais. ‘As crianças e os loucos dizem a verdade’, fala o adágio – e infelizmente as crianças breve aprendem também a não dizê-la. Este manancial ’esquecido’ de sabedoria está a nossa disposição quando nos tornamos bastante esclarecidos, sensíveis, corajosos e vigilantes para o explorar.

A ideia popular de que a pessoa não enxerga a verdade porque ela própria se coloca na sua frente é, portanto, falsa. Não é o self que nos faz ‘ver através de um vidro escuro’ e destorcer o que vemos: são antes os impulsos neuróticos, as repressões e os conflitos. Estes nos levam a ‘transferir’ alguns preconceitos ou expectativas nossas a outras pessoas e ao mundo que nos rodeia. Assim é precisamente a falta de autoconhecimento que nos leva a tomar um erro por verdade. Quanto menos a pessoa conhece a si mesma, tanto mais é presa de ansiedade, ira e ressentimento irracionais; e embora a ira em geral nos impeça de utilizar os meios sutis e intuitivos de perceber a verdade, a ansiedade nos bloqueia sempre.

(...) Admitindo que sua verdade seja absoluta e não influenciada por interesses pessoais, em vez de julgá-la como sua maneira mais sincera de se aproximar da verdade, talvez venha a tornar-se perigosamente dogmático. (...)

Buscar a verdade não é uma função exclusiva do intelecto, e sim do homem total; a pessoa experimenta a verdade, evoluindo como uma unidade que pensa-sente-age. ‘Não deixamos de amar aos intelectuais’, porém amamos mais ainda as pessoas neste aproach da verdade. (...)

(...) Distinguir a verdade, portanto, vai a passo com a maturidade emocional e ética. Quando a pessoa é capaz de distingui-la desta maneira adquire confiança no que diz. É que firmou suas convicções por seus próprios meios e experiência, e não através de princípios abstratos, ou do que lhe disseram. E adquire também humildade, pois sabe que o que viu anteriormente era em parte destorcido, o que vê agora terá também seus elementos de imperfeição. Esta espécie de humildade não enfraquece a segurança nas próprias convicções, mas conserva a porta aberta para novo aprendizado e a descoberta de novas verdades no futuro.”



(O Homem a procura de si mesmo – Rollo May)