quarta-feira, 23 de abril de 2014

Trecho de "Uma estranha realidade - Carlos Castaneda"

"- Meu benfeitor era um feiticeiro de grande poder - continuou ele. - Era um guerreiro perfeito. Sua vontade era realmente sua realização mais magnífica. Mas o homem pode ir mais longe do que isso; o homem pode aprender a ver. Quando se aprende a ver, não é mais preciso viver como guerreiro, nem ser feiticeiro. Ao aprender a ver, o homem torna-se tudo, tornando-se nada. Por assim dizer, desaparece, e no entanto continua ali. Eu diria que essa é a ocasião em que o homem pode ser ou conseguir tudo o que deseja. Mas não deseja nada, e em vez de brincar com seus semelhantes como se fossem brinquedos, ele os encontra no meio da loucura deles. A única diferença entre eles é que o homem que vê controla sua loucura, enquanto que seus semelhantes não o conseguem. Um homem que não tem mais um interesse ativo por seus semelhantes. Ver já o desprendeu de tudo o que conhecia antes.

- A simples ideia de estar desprendido de tudo o que conheço me dá arrepios - falei.

- Você deve estar brincando! O que lhe devia dar arrepios é não ter nada pela frente, a não ser uma vida inteira de fazer aquilo que sempre fez. Pense no homem que planta milho ano após ano, até estar velho e cansado demais para se levantar, de modo que fica deitado, como um cachorro velho. Seus pensamentos e sentimentos, o que há de melhor nele, vagueiam sem rumo para as únicas coisas que ele já fez, que é plantar milho. Para mim, isso é o maior desperdício que há. Somos homens e nosso destino é aprender e sermos lançados em novos mundos inconcebíveis.

- Existem mesmo novos mundos para nós? - perguntei, jocosamente.

- Ainda não esgotamos nada, seu tolo - disse ele, imperiosamente. - Ver é para os homens impecáveis. Tempere seu espírito agora, torne-se um guerreiro, aprenda a ver, e depois saberá que não há um limite para os novos mundos, para a nossa visão." (Uma estranha realidade - Carlos Castaneda)