“Question: What is the opposite of faith?
Not disbelief. Too final, certain, closed. Itself is a kind of belief.
Doubt."
― Salman Rushdie, The Satanic Verses
Este texto não nega a ideia da existência de Deus ou mesmo trata de sua possibilidade, nos atemos somente ao que podemos observar, e dedicamos o escrito ao bem das pessoas, que ao que tudo indica, também é o bem de Deus. Ainda podemos reiterar uma informação importante aos descrentes, como sinal de nossa imparcialidade sobre o tema, com o pensamento de Millôriano:
''''Sou um crente porque creio na descrença'''' .
Mas então se não discutiremos a existência, temos, logo, que tratar de outro tema, e este é:
Qual a finalidade de um deus?
Deus parece estar em tudo que transgride nossos limites, onde o homem acaba nasce o divino, nas incertezas e nas possibilidades que nos são impalpáveis.Depois desta feérica introdução, podemos continuar com o pensamento: Podemos dividir Deus em duas partes, entre ele em si e a sua obra, de forma análoga a um escritor e os livros que escreve. Aludiremos seus livros à criação, ao mundo etc e o escritor destes livros à suas próprias preferências particulares, gostos e opiniões, nos dedicaremos à sua obra e o sentido dela.
Em tempos complicados, marcados pela violência, incertezas e a explosão dos frutos do domínio e da repressão exercida pelos seus instrumentos, o papel de Deus, parece-me, trazer uma perspectiva de salvar-nos em meio à confusão, ao caos dos homens que perderam-se pela sua própria mácula material e deixaram de lado a essência divina presente em cada um de nós. Essa justificativa é também aplicável a todos os novos semideuses observados em nossos tempos, todo o escape, toda fórmula de salvação e plenitude a nós próprios, longe da confusão dos homens. O consumo, a integração, a "sociabilidade", os grupos, o apadrinhamento, o grande abraço que nos faz completos por obedecermos a algo e este algo nos aprovar por estarmos conjuntos a ele. O desejo de uma mão invisível que nos afague e nos dê a direção correta para coexistir em meio às truculentas vias do destino, como vemos na obra de Beethoven, nas batidas do trágico destino à porta, no diálogo trágico do "Muss es sein? Es Muss sein!" (Assim deve ser? Assim deve ser!) onde tudo parece convergir nas nossas preferências pelo conforto. Pela regra. Pela obediência sádica ao complexo e conceitual mundo de ideias e palavras. Lá estamos nós, à beira da estrada esperando Deus.
Ainda em tempo podemos voltar a citar um trecho de Adorno presente em meu último texto
aqui no zine que talvez nos ajude a obter algum êxito na nossa árdua tarefa de divagar: "[..] Somente a debilidade procura vínculos, a compulsão a submeter-se a eles, que se transfigura a si mesma como se renunciasse à limitação do egoísmo e do mero interesse particular, na verdade, não se rege pela dignidade humana, mas sim capitula ante o que é indigno no homem."
Retomando o pensamento sobre o Escritor e sua obra, se a grande obra de Deus é a criação, não devemos confundir sua obra com suas próprias vontades, este corpo etéreo não teria motivos para legislar e resguardar-nos sob os véus de suas "leis atemporais". Temos suficientes motivos para crer que ele nos queira aperfeiçoando a sua obra, como extensão, de um modo pleno. Talvez Deus não deseje, filhos pusilânimes e débeis, assustados com sua obra e o movimento dela tentando a qualquer preço encontrar o conforto de um grande falo legislador.Podemos pensar que talvez não precisamos mais deste regulador, este grande falo para nos guiar e castigar pelas coisas que nos são tão próprias. Nos tornamos covardes e debilitados pela herança e pela tradição da podridão, não temos mais o grande impulso dessa criação, nossa autonomia, a coragem, a bravura, a virilidade no sentido classico que Nietzsche cita nas primeiras páginas do Anticristo. Nos convergemos em uma vergonha para o sentido reflexivo da obra divina.
A finalidade de Deus não é dar caminhos ou conforto, pelo simples fato de não existirem caminhos, não há como se perder pois não há caminho. Deus, este texto e todo resto das coisas estão inseridos em uma malha de conceitos e palavras, correspondentes às coisas que temos a possibilidade de experimentar e abstrair. Lá está, no movimento e na reflexão, no ineditismo das coisas, na convergência das possibilidades, nas imperfeições e nos mendigos, pelos bares e prostíbulos, nos altares e nos pacotes de cigarro. Celebrando O movimento e o aperfeiçoamento de sua obra.