quinta-feira, 2 de abril de 2020

Campana

 Minhas mãos suando amolecem as capsulas, a neve fica pegajosa e preciso parar por uns minutos. Ando, desamarro e prendo de volta o cabelo, tiro e coloco o chinelo, acendo um cigarro light e volto a olhar pela rachadura da porta da frente a rua.
 Eu sempre digo que odeio quando você vai embora por que não lembrava mais da sensação de quando você não vem. Transformei o que seria nossa casa na minha base de trabalho e to girando nota em meio à crise pra esquecer da sua imagem deitada no sofá que nos últimos dias tem sido a minha cama. Girando nota ao menos eu faço o cabelo, as unhas, compro uns colares novos, um relógio ou qualquer outro mimo que preencha no meu ego o arrombo da sua ausência. Enquanto você não voltava me perdi por alguns dias, dancei e ri com parasitas, alucinei e não dormi.
  Ouvi dizer que são muitos carros deles hoje de novo e eu transformei a nossa casa em bomba. Nossa não, minha casa. Você nunca ousou estar comigo entre as paredes dessa babilônia pra sempre.
 Analisando a porta de madeira com alguns trincos: ela abre em duas folhas pra dentro, há duas travas (em cima e em baixo). Um chute frontal bem dado abriria ela como as minhas pernas quando você me acorda às dez.
 A ansiedade de dormir com um olho aberto irrita meu estomago e hoje a entrada da rua principal tá silenciosa demais pro meu gosto.