sábado, 7 de setembro de 2019

Morte

Ou Independência?

 Conheci o Cotrim com a cara pintada de branco e dentro de um vestido longo de princesa numa oficina de Clown em 2012, quando ensaiávamos uma intervenção urbana que aconteceu na praça Rui Barbosa no centro de Bauru. Nunca fomos muito próximos, circulávamos por algumas rodas de amigos em comum e as vezes o encontrava nos bares e festas da cidade, mas o teatro é algo que nos sensibiliza a conhecer o intimo de quem contracena. 
 Quando foi encontrado esfaqueado na madrugada de 7 de setembro do ano passado enfatizaram no tribunal que ele estava perto de um ponto de prostituição de travestis e o caso só foi solucionado em julho deste ano. A mãe justificou que o filho voltava de uma festa no centro da cidade quando foi morto. Veja bem a singularidade do caso: jovem negro é morto à facadas no centro da cidade e o suprassumo que o tribunal encontrou pra solucionar o caso foi simplesmente dizer que "morreu por que tava perto de um ponto de prostituição". Essa foi a noticia nos jornais e a mãe além do luto ainda teve que justificar que o filho não tava fazendo programa e nem brigando por uma prostituta.
 É assim que acontece, o sistema te mata e depois suja a sua imagem. Envergonha a família. Humilha a memória.
 Hoje entendo que ele, com aquela altura e postura toda, dentro de um vestido de princesa foi uma afronta: um homem daquele tamanho de vestido incomoda, preto no topo também.


Texto dedicado à memoria do ator e modelo Ygor Cotrim